Recortes com sentidos múltiplos

O universo da colagem é o da manipulação de imagens. Elas pertencem a algum contexto e, cortadas ou descoladas de lá, passam a integrar um novo mundo. Trata-se de uma mecânica muito associada a duas palavras essenciais na arte contemporânea: a desconstrução e a construção.

A exposição “Nó na Garganta”, de Felícia Roza, pseudônimo de Anna Gadelha, na Galeria Recorte, em São Paulo, SP, evoca os primórdios da técnica enquanto manifestação artística, com Picasso e Braque, dentro do Cubismo. O conceito essencial está em gerar um olhar diferente que motive o observador a pensar ativamente.

Trata-se de um decompor para compor feito das mais variadas maneiras para se obter os efeitos desejados, inclusive criando diálogos com técnicas de pintura, assemblage e escultura, trazendo temáticas vinculadas a relacionamentos afetivos, discussões da apropriação do corpo da mulher pela publicidade e questões ambientais.

Existe, portanto, a proposta de criar instabilidade e um desconforto com valores preestabelecidos. Felícia propõe uma “comunicação” em que a “ação” se torna essencial precisamente por ser a maneira como ela se apropria da sociedade de consumo e a reapresenta de maneira crítica.

O processo e o resultado não são, em consequência, um isolamento da arte em uma torre de marfim. A criadora visual incorpora ao seu fazer as forças da natureza, violentadas pela ganância, pela poluição ambiental e pelo desmatamento, para instaurar uma resistência ideológica e plástica em que a arte dialoga com o público em composições, cores e formas que instauram espaços que, pelos seus sentidos múltiplos, se eternizam.

Oscar D’Ambrosio       @oscardambrosioinsta
Pós-Doutor e Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Mestre em Artes Visuais, jornalista
, graduado em Letras, crítico de arte e curador.