Quando o passado é um presente

 

     Eba! Hoje é sábado, um dia qualquer do início dos anos sessenta –  o comércio fechou ao meio dia,  desde que o Brasil passou a adotar  a chamada semana inglesa(jornada de trabalho de oito horas de segunda à sexta-feira e de quatros horas pela manhã do sábado, havendo, portando, o descanso no sábado a tarde e no domingo, totalizando 44 horas semanais).   Não tem aula e a tarefa da escola, bem, essa pode ser feita amanhã ou a qualquer hora, pois tempo não faltará! É dia de fazer a compra da semana na venda e marcar na caderneta pra pagar no inicio do outro mês; é dia de lavar e  encerar a casa com cera Parquetina,  deixando o piso brilhando de tanto deslizar  o escovão, mas  é dia também  de lustrar os móveis com óleo de peroba, deixando-os com aquele cheiro gostoso de novo. A tarde dos meninos de calças curtas e descalços,  é reservada à pelada com bola velha de capotão,  no campinho de chão batido e sol a pino.

As mulheres, com outras preocupações, lavam a cabeça e enchem-na de bobs  para enrolar o cabelo e caprichar no penteado, sem deixar de cuidar das unhas, às vezes com a ajuda da vizinha,  com lixas, acetona e esmalte cor vermelho sangue da  Pallermont. Tudo isso  ao som das músicas da época, com chiados e tudo que era a marca registrada dos rádios em AM. Sertanejos? Só a partir das 19 horas e durante a madrugada até 6 horas da manhã. Não tinha essa de sertanejo universitário(ainda bem!) nem rádios FMs com músicas destes breganejos o dia todo(haja saco!). Como é sábado, é o dia da semana reservado a  tomar banho por inteiro, vestir aquela roupa nova que exige cuidado para não sujar ou amarrotar e assim poder usá-la na missa da manhã do dia seguinte, normalmente às 9 horas,  rezada em latim e com o padre de costas para os fiéis(perdurou até 1965).

À noite,  era comum escutar os programas de música caipira na rádio Nacional, Record ou Tupi ou  ir ao circo, normalmente a molecada varando a lona num descuido dos guardas,  para assistir um drama encenado por artistas da casa, ou ainda ir ao Parque de Diversão, quando aqui instalados, para tentar ganhar  brindes supostamente valiosos no jogo de argolas ou no tiro ao alvo de rolhas. Tinha também a opção de pegar um  cinema, onde não faltavam as  figuras do lanterninha e do baleiro com o seu tradicional tabuleiro de pirulitos e guloseimas,  para assistir os seriados do Gim da Selva, Zorro, Roy Rogers, filme do Tarzan ou qualquer  bang bang, a maioria em preto e branco,  com direito às inúmeras interrupções e muitas vaias. Difícil não  torcer para o valente mocinho  empunhando um revolver que disparava mais tiros que um fuzil  automático, apesar do tambor comportar apenas 6 projéteis.

Ah, e nesses filmes não podiam faltar, é claro,  os bandidinhos de camisa xadrez, colete, bigodinho e cigarrilha na boca,  que sempre malvados ameaçavam o mocinho e morriam baleados por este, ora  caindo do cavalo ora ao se levantar da mesa do bar onde tomavam um drink ou, ainda,  caindo da escada do saloon onde cortejavam as mulheres de vestidos longos e babados. Não existiam lanchonetes nos bairros, mas já existia o footing na Praça da República, onde era possível ouvir a música tema “Amores Clandestinos” e muitas outras irradiadas dos autos falantes do serviço de som que também transmitia  para a Praça de Independência e Parque das Américas que, à época,  compreendia as duas quadras que nunca deveriam ser trocadas pelos prédios da Prefeitura, da Câmara e o terminal de ônibus.   As famílias que moravam na periferia, por falta de maiores opções,  preferiam não sair de casa, então já no comecinho da noite, como de costume,  as cadeiras do tipo espreguiçadeiras eram dispostas nas calçadas para tomar a fresca, sentir o aroma do perfume “dama da noite” e bater papo com a vizinhança,  enquanto as crianças solerte e alegremente  brincavam de pic, salva pega,  amarelinha e outras brincadeiras da época.

No céu, as estrelas brilhavam com mais intensidade e era possível contemplar com muita nitidez o cruzeiro do sul,  as três Marias,  além da constelação de milhares de pontos cintilantes –  espetáculo que poucos se dão ao trabalho de cultivar hoje. A  televisão era privilégio de poucos,  então as alternativas de lazer eram muito limitadas. O tempo não comportava a mesma velocidade de hoje, mas o sábado era um presente, talvez o dia de maior felicidade da semana. Era o dia em que se podia fazer qualquer coisa ou simplesmente nada, porque no domingo era possível acordar sem despertador e sem qualquer compromisso. Era um dia especial que demorava quase uma eternidade, por que o tempo não tinha a mesma pressa de hoje e nessa lógica, pensava-se que o domingo era um anteparo que pudesse impedir a chegada da segunda feira. Finalmente, era um dia que, de  tão valorizado,  trazia felicidade às pessoas, coisa rara nos dias atuais. Hoje, sem esconder o saudosismo,  relembrar os sábados do passado é como viver no presente um pouco daqueles tempos.

 

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