Por Rafael Cervone*
A fumaça dos incêndios criminosos de extensas matas e culturas agrícolas no interior paulista e outros estados ainda está eclipsando o azul do céu brasileiro, estampado em nossa bandeira, símbolo de uma pátria que comemora em luto, neste 7 de setembro, os 202 anos de sua independência. Ao expressar nossa solidariedade às mulheres e homens do campo, fazemos uma séria reflexão sobre a liberdade de um povo e da soberania nacional, que somente se efetivam quando se garantem os direitos individuais e coletivos fundamentais, dentre eles o de trabalhar, ir e vir.
Porém, é lamentável constatar que essas prerrogativas basilares da cidadania estão sendo subvertidas em nosso país pela criminalidade, como se observou nas chamas que devastaram plantações e obrigaram numerosas pessoas a deixarem as propriedades rurais e seus locais de trabalho e moradia. São agricultores e profissionais que tiveram seus direitos mais essenciais aviltados de modo violento, numa ação que ceifou vidas e causou imensos prejuízos materiais, financeiros e ambientais.
A criminalidade está impondo muitos danos ao nosso país. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que foram mais de 46 mil mortes violentas em 2023, incluindo homicídios e latrocínios. Dados do Atlas da Violência, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que os custos das empresas privadas para se protegerem representam cerca de 4,2% do PIB, enquanto as despesas do Estado com a área totalizam 1,7%.
Outras modalidades muito nocivas do crime são a falsificação, o contrabando e o descaminho, que estabelecem dumping dos preços no mercado interno, numa concorrência ilegal e desleal com a indústria. Segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, esses problemas provocaram, só em 2023, perdas de R$ 302 bilhões sobre 15 setores produtivos, a grande maioria na área industrial, além de uma evasão fiscal de R$ 139 bilhões. Na prática, isso significa, por exemplo, que o trabalho de um honesto profissional de uma fábrica brasileira é desrespeitado e ameaçado por bens originados em algum tipo de ilicitude, que também conspira contra a sobrevivência das empresas.
O crime, em suas múltiplas vertentes, é um dos fatores do elevado “Custo Brasil”, cujo peso é imenso para a indústria e todos os setores de atividade. Bandidos, quadrilhas e terroristas atearam fogo nas propriedades agrícolas em agosto, pirateiam, falsificam e trazem produtos de modo ilegal para nosso mercado, tiram a vida de inocentes e traficam drogas e armas, aviltando a condição humana e interferindo no direito de trabalhar, ir e vir.
No transcurso dos 202 anos da Independência do Brasil, cabe urgente mobilização do poder público, numa soma de esforços entre União, estados e municípios, para o combate mais eficaz à criminalidade. Sem reduzir de modo significativo esse flagelo que nos atormenta, jamais seremos um povo capaz de desfrutar a plenitude da liberdade e da soberania. A rigor, não temos independência e temos morte.
*Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)