Brasil perde um oráculo
Na Grécia Clássica, o divã do psicanalista eram os oráculos. Após rituais de purificação, quem desejava se consultar fazia a sua pergunta à sacerdotisa. Ela, após entrar em transe, gerado pelo uso de algumas ervas aromáticas, dizia uma frase curta, geralmente de sentido ambíguo, interpretado das mais diversas maneiras.
Em Bezerros, cidade localizada a 100 km do Recife, capital do Estado de Pernambuco, era possível encontrar um oráculo bem diferente, mas com função semelhante. Seu nome é José Francisco Borges, conhecido como J. Borges.
Seu discurso cristalino, repleto de histórias sobre a literatura de cordel, desde a escrita da história, a produção da xilogravura que vai na capa, a impressão e a venda nas feiras, que exige uma técnica que livro nenhum ensina, traz respostas para quem deseja entender melhor aquilo que os eruditos convencionaram chamar de cultura popular, como se o conhecimento artístico tivesse rótulos possíveis.
Conhecer esse oráculo significa vivenciar a história de um homem que, nascido no sitio de Piroca, na citada Bezerros, em 1935, ganhou o mundo por meio de sua arte, tanto pelos versos como pelas xilogravuras diferenciadas, principalmente as que mesclam partes de diversos animais em combinações inusitadas, monstros maravilhosos com a força do sertão e uma imaginária que remete aos melhores momentos da heráldica medieval.
O fascinante é que esse oráculo do sertão, que recebeu, em 1999, o prêmio de Honra ao Mérito Cultural do Ministério da Cultura e, em 2000, o Prêmio UNESCO ainda escreveu e imprimiu, numa máquina tipográfica do século XIX, a mesma que utilizou para produzir seus cordéis, o livro Memórias e Contos de J. Borges.
Autêntico em sua simpatia, sábio em suas certezas, narrador de primeira, exímio exemplo de oratória e de domínio de tudo que está ao seu redor, J. Borges foi um cordel em vida e será um ainda maior a partir de agora. Seu nome e narrativa viram lenda – e o homem se torna definitivamente um mito.
Oscar D’Ambrosio @oscardambrosioinsta
Pós-Doutor e Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Mestre em Artes Visuais, jornalista, graduado em Letras, crítico de arte e curador.
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