Eterna procura

Visitei, em outubro de 2024, o ateliê de Orlando Mattos, em Diadema, SP, onde fomos recebidos pelo seu filho, Luiz Carlos Mattos. A partir desse encontro com as obras do falecido artista e de seu descendente, foi possível realizar algumas reflexões.

Um artista plástico é muito mais que uma biografia. Orlando Mattos (Castro, PR, 1917 – Diadema, SP, 1992) é uma prova disso. Sua experiência como cartunista e ilustrador, além da atuação em editoras, publicidade e com desenhos de humor, infelizmente, ofuscaram a sua importância como pintor.

Em 2009, ainda o meio intelectual deve ao artista um reconhecimento do seu valor, já apontado por personalidades como Ziraldo, que lhe rende homenagens na abertura de A professora maluquinha. Um esforço nesse sentido foi a retrospectiva e a publicação de um livro sobre o artista em 2007 pela prefeitura de Diadema, cidade onde morou nos seus últimos 20 anos.

O expressionismo das obras em óleo e dos bicos de pena de Mattos merece observação atenta. Há ali o universo alemão das pinceladas largas e das manchas, mas numa atmosfera brasileira que inclui a figura do cangaceiro e o cotidiano das favelas e do trabalho nos cafezais e nas plantações de cana.

A grande questão que o pensamento visual do artista paranaense coloca é que ele conseguiu fazer um retrato do Brasil no qual estão desde as colheitas de diversos produtos à árdua lida dos garimpeiros, lenhadores ou de trabalhadores da construção civil.

Tudo isso surge com a valorização do ser humano nesses cenários. Geralmente são as pessoas que estão em primeiro plano, com numerosas variações cromáticas, inclusive com surpreendentes usos do verde ou azul em alguns trabalhos. É a faina difícil que vem à tona como um documento poético do cotidiano

Mesmo quando o universo para o qual se direciona é o feminino, Mattos não deixa de lado a vertente da denúncia social. As ambientaçõe s são sempre importantes como uma maneira de deixar evidente que não podia conceber a arte desvinculada da realidade em que ela se inseria.

O conjunto da obra surge como um grande grito de desespero. As figuras em posição de prece alertam para a necessidade de uma ação. Seus quadros não são meras contemplações do mundo, mas funcionam como um apelo poderoso, em termos imagéticos, do trabalho de um povo à espera de uma vida melhor.

Mesmo quando suas figuras são mais livres e aparentemente menos engajadas, apresentam torções de corpos e movimentos de formas que apontam para uma Eterna procura (não à toa nome de dois pujantes quadros, feitos em 1974) de respostas para uma densa inquietação.

Em meio a numerosas dores, as obras de Orlando Mattos trazem uma ansiedade que se faz presente em um cartum de 1962, por exemplo, em que uma Virgem Dolorosa contemporânea urbana chora a morte do filho sob o título “Quem responde?“ As indagações que essa imagem e que a obra do artista ainda traz continuam a ecoar.

O poder do criador permanece em sua forma de se relacionar com o mundo nunca de uma maneira passiva, mas sempre sob um olhar crítico. Gera perguntas questionadoras de busca de alternativas visuais e existenciais perante o inconformismo que tornam Orlando Mattos um nome a ser redescoberto na pintura brasileira.

Oscar D’Ambrosio       @oscardambrosioinsta
Pós-Doutor e Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Mestre em Artes Visuais, jornalista, graduado em Letras, crítico de arte e curador.