Nascido a um quarteirão do Obelisco, no coração de Buenos Aires, em 1946, o artista visual Ricardo Amadasi, está no Brasil desde 1976. Filho de italianos, com pai anarquista artista plástico e mãe atriz de teatro socialista, aprendeu em casa o amor à liberdade, ao respeito aos direitos humanos e às pessoas das mais variadas origens.
Chegou a ser presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Belas Artes de Buenos Aires e foi preso e torturado durante a ditadura militar argentina, passando cinco anos no cárcere. Ao abordar, em 30 esculturas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) mostra a principal característica de sua obra: a denúncia de questões sociais.
Documento não-jurídico que fundamenta a proteção da integridade humana básica sob diversos aspectos, a DUDH foi adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. Elaborada principalmente pelo jurista canadense John Peters Humphrey, contou com a ajuda de várias representantes de todas as regiões do planeta.
A história verídica de uma família que morava dentro de uma geladeira em São Paulo, SP, por exemplo, motivou Amadasi a criar peças escultóricas que provocam o observador a não ficar silencioso perante a miséria. Existe no artista o entendimento dos agrupamentos humanos como uma temática a ser desenvolvida como um conjunto visual.
Seu olhar plástico valoriza os pontos de equilíbrio e os diálogos entre as massas de pessoas, dentro de uma visão em que o coletivo é absolutamente fundamental. Mais forte que o desejo do indivíduo, é o poder da sociedade de encontrar seus próprios caminhos que estimula o seu processo criativo.
Os conflitos de classe aparecem, assim como documentos de criar obras marcadas pela capacidade de gerar uma arte indagadora e de qualidade. A chave para penetrar no mundo visual de Amadasi, portanto, está na confluência entre dois aspectos: a crítica social e um grande amor pelos materiais e pela humanidade.
O seu trabalho visual se distingue pela questão política, na defesa dos direitos humanos e lança um olhar carinhoso sobre cada indivíduo. Ao mostrar a miséria física e econômica de crianças carentes num banco de praça, por exemplo, o escultor apresenta um fazer permeado por uma convicção: ainda há muito a caminhar para consolidar uma sociedade mais justa.
Nesse contexto, as imagens sobre os 30 artigos da Declaração dos Direitos Humanos funcionam como uma advertência para a América Latina, região que convive com imagens do chamado Primeiro Mundo ao lado de situações inaceitáveis de miséria social.
O trabalho de Ricardo Amadasi alerta, portanto, para a fragilidade existencial que caracteriza cada um de nós, latino-americanos, com conflitos, certezas e erros. O ser humano, nessa perspectiva busca geralmente se encontrar, mas esse desafio é geralmente mais marcado por um sentimento de dor e desespero do que de orgulho perante a própria espécie.
O artista não estabelece limites para as suas pesquisas. Consegue resultados onde o processo técnico é tão importante quanto a imagem atingida. Nelas, instaura um mundo imaginário e simbólico, a partir de situações reais, em que critica a miséria e propõe, simbolicamente, uma sociedade voltada para vida e o amor entre as pessoas.
Os resultados escultóricos, fundamentados em pesquisas visuais, estabelecem uma poética vigorosa que cruza a contundência, a delicadeza e o papel discursivo de cada conjunto para o bem da coletividade. Surge assim um olhar socialmente consciente e esteticamente potente que faz sobreviver e eternizar os princípios que a DUDH propõe.
Oscar D’Ambrosio
@oscardambrosioinsta
Pós-Doutor e Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Mestre em Artes Visuais, jornalista, crítico de arte e curador.