Arlindo Augusto Manzoni

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O menino tímido de baixa estatura pra idade – treze anos –  saiu com a mãe pela cidade, sem destino certo,  numa manhã de inverno do ano de 1963,  à procura de emprego. Na época não existia lei que proibia o trabalho de menores e, a grande maioria dos meninos pobres começava cedo na profissão. A mãe sempre dizia que os filhos tinham que trabalhar na sombra e num serviço que não sujasse muito a roupa.

Por exclusão, ela seguramente não gostaria que os filhos fossem pedreiros e principalmente mecânicos. Assim, restava o comércio e os escritórios como locais onde não faltariam a sombra e  trabalho limpo. Naquela manhã de périplo pela cidade, o propósito era perguntar nos escritórios se precisavam de um menino para serviços auxiliares e mesmo serviço de rua –  o termo Office boy ainda não fazia parte do nosso vocabulário. Sem indicação, o menino tímido, incentivado pela mãe,   adentrava os estabelecimentos e perguntava – “Tem emprego pra mim”? – Muitos achavam graça, mas a resposta era invariavelmente sempre a mesma – “NÃO”.

Depois de muitas andanças, mãe e filho pararam em frente a um prédio bem velho(antes de ser reformado) na Rua Alagoas, nº 132,  a meio quarteirão da Praça da República. Mais uma vez impulsionado pela mãe o menino entrou e, passando pela sala central, que era o escritório do sr. Túlio Tricca,   alcançou uma sala menor do lado esquerdo, onde algumas pessoas  se viam diante de muitos papéis e livros sobre as mesas que se apresentavam   dispostas uma de frente para a outra e, em cada qual  uma máquina calculadora manual Olivetti. Mais ao fundo da sala, um senhor de meia idade, de semblante calmo e voz serena  recebeu o tímido menino e, ao ouvir o pedido demonstrou algum interesse. Ao saber o sobrenome,  perguntou se  era parente de sr. Mário que morava ao lado da Igreja São Judas Tadeu, então em construção.

O menino respondeu que era sobrinho. Em seguida, entregou uma folha de papel e uma caneta e pediu para que fosse escrito o nome completo, a data de nascimento, a  cidade e algumas outras poucas informações. Sem entender muito,  o menino atendeu e depois descobriu que ele na verdade queria avaliar a letra, porquanto os livros à época eram escriturados manualmente e a letra tinha que ser legível e preferencialmente bonita.

Perguntou ainda se este sabia escrever à máquina e não se surpreendeu ao saber que não sabia. Ao final,  disse que precisava sim de um aprendiz, mas que, tinha que decidir  já que havia  outro pretendente que, coincidentemente, tinha o mesmo nome e possuía datilografia. Sem deixar de dar esperança, sugeriu que retornasse na manhã seguinte.

Possivelmente o parentesco com o tio Mario que ele conhecia muito bem, pois ambos estavam empenhados na construção da Igreja de São Judas Tadeu, foi o fiel da balança e, no dia seguinte o menino começou sua trajetória no Escritório Tricca. De cara foi  conduzido até a  escola de datilografia do Giordano Mestrinelli, que funcionava na Rua Minas Gerais, onde hoje é o Sindicato dos Comerciários,  sendo que o novo patrão  pagou a matrícula e o mês inicial do curso.

Foi o primeiro e o mais importante passo na vida profissional daquele menino que, com os conhecimentos adquiridos no escritório Tricca,  fez carreira chegando a ser diretor de importante empresa da qual se orgulha de ter sido o funcionário número um, onde permaneceu por mais de vinte anos e que, no início era cliente do próprio escritório. Esta é a singela história desse colunista.  Dezenas e dezenas de outros meninos que passaram pelo Escritório Tricca certamente tem histórias de vida até mais interessantes e talvez não muito diferentes.

Ao longo do tempo inúmeros garotos  tiveram a sorte e o privilégio de terem sido forjados nessa verdadeira escola de contabilidade e de cidadania e, salvo algumas exceções, se tornaram profissionais bem sucedidos em diversos segmentos da sociedade: fiscais, contadores, advogados, economistas,  administradores e diretores de grandes empresas. Daquele escritório emanaram brilhantes profissionais, mas, acima de tudo, homens de bem que souberam cultivar a dignidade e o exemplo transmitido pelo mestre. Como professor ele foi brilhante, exigente sim, mas tolerante e compreensivo como poucos. Como profissional, excessivamente responsável, detalhista, perspicaz  e metódico.

Católico praticante, foi um dos responsáveis pela construção da Igreja São Judas Tadeu, na Vila Amendôla.   Com a esposa e companheira Cleide de tantas décadas,  construiu um lar exemplar,  transferindo para a filha Patrícia e os netos Helena e Augusto, os ensinamentos e as virtudes,  raras no mundo de hoje. Era dócil, paciente, sábio,  afável, tolerante, compreensivo e exemplo de amor ao próximo. Há poucos dias,  antes de falecer,  ao ser perguntado qual era o segredo de nunca ter discutido ou ter se desentendido com ninguém, sabiamente respondeu: — “É simples, é só  deixar  as pessoas terem razão”.

Com noventa anos bem vividos, partiu deixando um legado que qualquer ser humano gostaria de deixar – exemplos. Sua  vida, desprovida de qualquer vaidade,  foi  construída de humildade e sábios ensinamentos. A escassez de vaidade seguramente se devia a uma abundância de generosidade.  Extraída do filme “O Club do Imperador – St.Benedict´s College”  a frase a seguir, tem muito a dizer sobre esse homem que,  após cumprir sua missão entre nós,  hoje habita nos campos do Senhor – “Um grande professor tem pouca história para registrar. Sua vida se prolonga em outras vidas. Homens assim são pilares na estrutura de nossas escolas, mais essenciais que seus tijolos ou vigas e continuarão a ser centelhas e revelações em nossa vida.”

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