Graciliano Ramos, considerado um dos maiores escritores brasileiros, tinha 35 anos quando em abril de 1928, assumiu como mandatário de Palmeira dos Índios(AL), renunciando-o em abril de 1930. Acabou preso, em 1936, no governo Getúlio Vargas, por participar de movimentos de esquerda. Vítima de câncer, faleceu aos 60 anos de idade, em 20 de março de 1953. Ao renunciar ao seu mandato, deixou como obra prima a sua prestação de contas, que é um modelo a ser seguido até hoje. Nesse momento crucial para o nosso país, quando os novos governantes se preparam para assumir seus mandatos, transcrever os trechos mais importantes do relatório, revela-se bastante oportuno. Por ser bastante extenso, foram destacados os principais pontos por ele abordados, que serão publicados em duas edições.
“Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios – Relatório – Ao Governo do Estado de Alagoas –
Exmo. Sr. Governador:
Trago a V.Ex.ª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim, minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.
COMEÇOS:
O principal, o que sem demora iniciei e o que dependiam de todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na Administração.
Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejavam administrar. Cada pedaço do Município tinha um administrador particular, com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensava uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro.
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restaram poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem com suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas contas. Devo muito a eles.
Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.
RECEITA E DESPESA:
A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.
(…)
ILUMINAÇÃO:
A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha; é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.
(…)
CEMITÉRIO:
No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.
ADMINISTRAÇÃO:
A administração municipal absorveu 11:457$497 – vencimentos do Prefeito, de dois secretários (um efetivo, outro aposentado), de dois fiscais, de um servente; impressão de recibos, publicações, assinatura de jornais, livros, objetos necessários à secretaria, telegramas.
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos, forçados pelos inspetores, que a prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua – um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e que em 1.559 D. Pedro Sardinha foi comido pelos caetés.
ARRECADAÇÃO:
As despesas com a cobrança dos impostos montaram a 5:602$244. Foram altas porque os devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em relatório, que aqui os contribuintes pagam ao Município se querem, quando querem e como querem. Chamei um advogado e tenho seis agentes encarregados da arrecadação, muito penosa. (…)
LIMPEZA PÚBLICA:
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram. (…)
Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.” (continua na próxima edição)
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